sexta-feira, 29 de abril de 2011

VERBETE


        Que coisa mais linda esses animais, que maravilha sua presença!
      Privados de garras, eles mesmos não vão à caça, rapinam de forma diferente: alimentam-se de animais agonizantes e de carcaças.
      Assim, cumprem um importantíssimo papel social, consomem cerca de 95% da agonia e abrem espaço para mais.
       Não cantam.
      Outra característica impressionante é o seu senso de hierarquia, quase não é preciso persuasão, e eles já se submetem. Basta chegar um da espécie mais elevada, para que os outros lhe abram espaço. A razão de seu prestígio? Traz a plumagem mais colorada e o bico mais afiado, é capaz de sugar tudo até das carcaças mais fortes. Os outros ficam, pela esperança das sobras, humildes.
       Alcançam alturas insondáveis. Mais do que voam, planam. Vão seguindo, todos, as correntes quentes... passam horas em círculos sempre procurando. O importante: sem esforço.
       Diferente dos adultos, nascem com uma pelagem branca, mas os pais os alimentam com o que regurgitam e, logo, já lhes são iguais.
       Não cantam.
       Em algum momento da evolução perderam a siringe, só crocitam.
       Passam muito tempo no alto, tão distantes, é fácil ignorar a dor do corpo para virar carniça. O que lucrarão, enxergam.
       É comum encontrá-los com o bico aberto. Sem nem mesmo o saber, são adeptos do tédio, muito calor não lhes interessa.
      Para muitos observadores, sua imensa capacidade de consumir o apodrecimento é um mistério. Acreditam que possuem um poderoso suco gástrico que lhes livra de qualquer reação adversa ao menu indigesto, da culpa à náusea.
        Quando localizam uma carniça, comem até se empanturrarem, até ficarem tão pesados que não conseguem mais voar, é então que se sentem mais satisfeitos.
         Não cantam.
         Há teorias que apontam que o fedor os impede.
        Levam a cabeça despenada, os pesquisadores se dividem, solução higiênica ou estresse?
        Apesar de serem muito vistos em bando, são animais solitários.  Aglutinam-se somente por duas necessidades: alimentação e acasalamento. Satisfeitas, se vão.
       Querendo, todo céu lhes pertence.
       Mas vivem mesmo vidrados no chão.
 

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